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Além de Mesão Frio

 
Além de Mesão Frio é um conto sobre visibilidade e memória. Sobre o que vemos uns nos outros, do que nos lembramos, e o que achamos que vemos e achamos que lembramos. Ver é tão subjectivo quanto lembrar, e mesmo quando alguém está perante nós na sua totalidade, não sabemos quais são as palavras, os gestos, as acções que são genuinamente suas. Mas, no final, o que somos nós genuinamente? Os gestos que replicamos não são nossos? O pensamento que absorvemos não nos pertence? Quando colocada na perspectiva certa, uma mão fechada oculta toda uma montanha. Para quem olha, a montanha passa a estar dentro dos limites da mão fechada. Quantas memórias cabem dentro dos nossos limites? Quantas pessoas vemos quando olhamos ao espelho? Quantas pessoas estão realmente lá? Além de Mesão Frio propõe-se a ser uma reflexão, sobre estas questões, através da ficção.
 
 

 
 
Contexto técnico

Este conto, que é de certa forma um elogio ao hipertexto (e à sua resistência enquanto linguagem de programação, uma vez que foi escrito e programado em 2015, e ainda se mantém funcional), apropria-se das suas convenções ubíquas, tão fortemente estabelecidas que se tornam quase imperceptíveis, para criar uma estrutura de navegação dentro de uma obra de literatura digital que, uma vez que recorre às convenções tradicionais do hipertexto (nomeadamente a marcação gráfica para link, link activo e link visitado), não requer do leitor mais do que a literacia digital básica. Esses links seguem também a estrutura clássica dos capítulos de um livro, sendo numerados de 1 a 9. Mas esta aparente simplicidade
esconde uma profundidade na navegação que o leitor só pode intuir porque, precisamente, está familiarizado com as notações gráficas para a ‘página já visitada’: a alteração da cor da hiperligação após a sua consulta. Assim, pode ir progredindo, de forma ao mesmo tempo linear e profunda, na leitura deste conto, apercebendo- se a pouco e pouco da sua extensão.

De uma vez só, o conto usa uma estrutura convencional e brinca com essas convenções, precisamente porque a sua estrutura aparenta ser mais clara do que na realidade é: podemos ler aquilo que pensamos ser o capítulo 7 várias vezes, progredindo em profundidade no texto. Esta é uma das influências que o filme L’année dernière à Marienbad, de Alain Resnais, tem sobre este conto, um filme que nos faz confundir passado, presente e futuro, fazendo-os confluir numa espécie de loop eterno. Já estivemos aqui?

«– Está aqui há muito tempo?
– Não. Mas já cá tinha estado.
– Gosta deste lugar?
– Não, nem por isso. É por acaso. Voltamos sempre aqui.»
    L’année dernière à Marienbad
 
 
Chave de leitura

A ligação entre páginas é sempre semelhante: uma página dá acesso ao mesmo nível das páginas com números subsequentes, ou ao nível seguinte das páginas com números anteriores.

Cada conjunto vertical de páginas é referente a cada uma das personagens:
1 – A – António
2 – B – Beatriz
3 – C – Catarina
4 – D – Daniel
5 – E – Elvira
6 – F – Filipa
7 – G – Guilherme
8 – H – Helena
9 – I – Inês

A inclinação progressivamente maior das figuras, como se tratasse da passagem do tempo visível na progressiva inclinação de uma sombra, indica a profundidade dentro do texto (desde 1 – textos iniciais, a 5 – textos finais).

Isto também se reflete no segundo algarismo do nome da página (ex: 95.html). O número de elementos gráficos (ao qual corresponde o primeiro algarismo do nome da página) indica a sua coluna, ou seja, identifica as personagens.

A primeira palavra da primeira página de cada conjunto horizontal é o seu número, por extenso:
«Um ano antes…»
«Dois dias depois…»
«Três vezes tocou…»
«Quatro e meia…»
«Cinco medronhos para…»
«Seis meses apenas…»
«‘Sete colinas, dizem…»
«Oito dias depois…»
«Nove meses parecem…»
 
 
Referências

Esta obra faz referência ao filme L’année dernière à Marienbad, de Alain Resnais, aludindo a um dos temas do filme (a associação/dissociação entre a passagem do tempo e a memória) e redesenhando os arbustos perfeitamente aparados, cuja sombras se recortam com uma perfeição geométrica, numa das cenas mais conhecidas do filme. É também um piscar de olho ao livro Rayuela, de Julio Cortázar, pela sua estrutura não linear, bem como reflete sobre conceitos referentes ao hipertexto e intermedialidade explorados por Ted Nelson, Stuart Moulthrop, Katherine Hayles e Johanna Drucker.
 

has a PhD in Materialities of Literature (FLUC), a master's degree in Literature Theory (FLUL) and a degree in Communication Design (FBAUL). She was a postdoctoral researcher at ILCML-FLUP, during 2024. She was also a researcher at the research group ReCodex: Formas e Transformações do Livro (CLP-FLUC), between 2014 and 2024. Between 2021 and 2023, she was a professor of Typography and Design Theory at ESART-IPCB.

Issue #07
1. Jogo, acaso, crime: notas em torno de um puzzle
2. Além de Mesão Frio
3. ARQUImarivar-TE // Tempo e Espaço
4. spell
5. esmagar, pisar, comprimir é um gesto que demora
6. É boa a terra do lugar-comum: Joyce e Rui Nunes, in medias res
7. I Edição do M’illumino d’immenso – Prêmio Internacional de Tradução de Poesia do Italiano para o Português
8. Os trajes e os corpos
9. Cnidaria (Fragmento)
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