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[Mas, e apesar de não gostar, prefiro ser visto…]

 

[Fernando Aguiar entrevistado por Inês Cardoso]

 

“The horizon and the (In)finite”, International Performance Show, World Ceramic Biennale Korea, 2009 (Icheon, Coreia do Sul)

 

Poesia, pintura, fotografia, instalação, performance: são algumas das formas artísticas que, na obra de Fernando Aguiar, se intercetam, fundem e convocam mutuamente. Nascido em 1956, na cidade de Lisboa, licenciou-se em Design de Comunicação pela Escola Superior de Belas Artes, formação académica que abriu portas à utilização de meios técnicos naquele que é um constante trabalho de pesquisa por novas vias para a experimentalidade poética.

O início da produção poética de Fernando Aguiar remonta à década de 70, mas terá sido apenas em 1983, a partir do Festival Internacional de Arte Viva (Almada), que começou a dedicar-se, de um modo sistemático, à arte da performance. Desde então, contabilizam-se mais de duzentas operações, em mais de vinte e cinco países.  Aqui se reúnem registos fotográficos de sete performances, executadas em quatro países distintos: “Poesia Sonora XCIII”, no Festival 2011 POETAS POR KM2 (Madrid, Espanha); “The horizon and the (In)finite”, no International Performance Show (Icheon, Coreia do Sul); “Lo que se dice”, no 2º Encuentro Internacional de Performance (Madrid, Espanha);  “Ser ou não ser”, no Line Up Action – Festival internacional de Arte da Performance (Coimbra, Portugal); “Poesia Sonora LXXVII”, no Bellamatamátic – Zin Palabras (Madrid, Espanha); Poesia Sonora LXXIII”, no Ciclo Internacional de Performance do 2º Encontro de Arte Global (Lisboa, Portugal); “Action Sonnet”, no ITCA 2008 – International Triennale of Contemporary Art (Praga, República Checa). Registos que revelam o modo como os procedimentos de inscrição da letra se aliam à visualidade plástica da pintura, do desenho e da colagem. Registos que apontam para uma reflexão em torno da linguagem e dos seus respetivos suportes materiais. Registos que, apesar de imagéticos, deixam antever o processo de experimentação sonora da palavra.

Em torno destas fotografias, propuseram-se cinco perguntas: para dar a ver como se configura a vertente performativa da obra de Fernando Aguiar; para refletir acerca da performance enquanto meio artístico e de comunicação. Questões para pensar não só o estatuto da poesia enquanto exercício de revisitação, mas também de vivência e experiência corporal. Pulverizando as fronteiras entre escrita, performance e instalação. Debatendo o papel do registo (e das suas posteriores potencialidades) naquela que é, por definição, uma arte do efémero.

 

“The horizon and the (In)finite”, International Performance Show, World Ceramic Biennale Korea, 2009 (Icheon, Coreia do Sul)

 

1. Alberto Pimenta escreveu: “dum lado da jaula/ os que vêem/ do outro/ os que são vistos// e vice-versa”. O performer é sempre, simultaneamente, um espectador?

No meu caso é raro acontecer, porque estou efetivamente concentrado naquilo que estou a fazer. Noutros casos poderá ser verdade, sobretudo quando quem vê interfere diretamente no desenrolar da performance, seja por solicitação do performer, seja por interferência direta de quem assiste. Mas, e apesar de não gostar, prefiro ser visto…

 

“Action Sonnet”, ITCA 2008 – International Triennale of Contemporary Art, The National Gallery Prague (Praga, República Checa)

 

2. Na sua obra, a performance decorre de uma constante procura por novas vias para a experimentalidade poética. É essa atitude de pesquisa, que se desdobra numa multiplicidade de linguagens utilizadas, que o tem levado a revisitar muitos dos seus trabalhos anteriores?

Sim, é de facto essa procura. Num processo de revisitação, encontram-se soluções diferentes e novas pistas para desenvolver outros trabalhos, e existem quase sempre descobertas, por vezes surpreendentes: uma performance que resulta numa fotografia, que pode dar azo a uma colagem, que trabalhada no Photoshop pode concluir num projeto de pintura, pintura que pode suscitar um poema experimental, que depois pode ser interpretado durante uma performance. No meu processo criativo são recorrentes estes “círculos virtuosos”…

 

“Poesia sonora LXXVII”, Bellamatamátic – Zin Palabras, Matadero Madrid (Madrid, Espanha)

“Poesia sonora LXXIII”, Ciclo Internacional de Performance do 2º Encontro de Arte Global, Panteão Nacional (Lisboa, Portugal)

 

3. Numa entrevista concedida em 2011, na Galeria dos Prazeres, propôs uma divisão para as performances que tem vindo a desenvolver: por um lado, quando participa em festivais de performance, privilegia a vertente visual e cénica; por outro, no âmbito dos festivais de poesia, procura evidenciar a relação com o texto e a palavra. O conceito de “intervenção poética”, que afirmou preferir, afigura-se suficientemente amplo para englobar estas diferentes operações?

No primeiro caso prefiro a designação “ação estética” e, quando a palavra é preponderante na ação, adoto a designação de “intervenção Poética”. Para englobar as diversas vertentes e amplitudes das minhas performances, prefiro um termo utilizado pelos artistas espanhóis que é “perfopoesia”.

 

“Poesia Sonora XCIII”, Festival 2011 POETAS POR KM2, Casa de América (Madrid, Espanha)

 

4. Se partirmos da constatação de que a performance é, intrinsecamente, efémera, de que modo podemos pensar a sua relação com posteriores registos? O registo, nos seus mais variados suportes, poderá transpor a sua função documental, potencializando a criação de novos espaços incisivos?

Apesar do aparente e paradoxo, os registos de uma performance que, por definição, é um ato efémero, podem despoletar outras obras, ambientes ou soluções das quais podem resultar outros objetos ou atitudes artísticas.

 

“Lo que se dice”, 2º Encuentro Internacional de Performance IVAM – Institut Valencià d’Art Modern (Valencia, Espanha)

 

5. Em “Poesia: ou a interacção dos sentidos” (Poemografias: Perspectivas da Poesia Visual Portuguesa, 1985), menciona a “impossibilidade de apropriação individual como valor económico”, enquanto um dos principais elementos a considerar para uma leitura e compreensão efetivas da performance. Nesse sentido, a performance é, por definição, um mecanismo de resistência à sociedade de consumo? A utilização de materiais perecíveis na criação de alguns dos seus poemas poderá ser pensada dentro dessa mesma lógica?

A performance começou por ser um mecanismo de resistência política, social e também contra a sociedade de consumo e hoje, em parte, ainda o é, apesar dessa vertente mais interventiva de âmbito social se tenha desvanecido um pouco para se valorizar a vertente estética da ação.

E foi também esse facto que manteve a performance marginalizada (que era também um objetivo inicial. Nos anos 70 / 80 considerávamos que se devia fazer arte apenas pela arte, sem preocupações comerciais) e fora da sociedade de consumo. Porque, como agora se pode constatar, em arte só o que é consumível é importante, e os artistas “importantes” são apenas os que atingem altos valores de mercado. É fácil verificar que os “melhores artistas” são os que mais vendem e apenas os artistas que vendem têm o seu trabalho reconhecido.

Relegando a questão comercial para outro plano, seria importante que o trabalho de muitos dos performers fosse (re)conhecido, porque têm uma obra criativa relevante que reclama ser divulgada. Mas não estando inserida na “sociedade de consumo” isso dificilmente acontecerá.

Mesmo reportando a raras exceções (Marina Abramovic, por exemplo), a sua obra tem a relevância que lhe é merecidamente reconhecida, em grande parte porque entrou no mercado de arte, e tanto vídeos como fotografias como até as próprias performances são vendidas como qualquer outra obra de arte. E, infelizmente (ou não) apenas por essa via a obra de um performer poderá ser reconhecida…

 

   

“Ser ou não ser”, Line Up Action – Festival Internacional de Arte da Performance, Casa das Caldeiras (Coimbra, Portugal)
“Poesia sonora LXXIII”, Ciclo Internacional de Performance do 2º Encontro de Arte Global, Panteão Nacional (Lisboa, Portugal)

 

[Todas as fotografias foram gentilmente cedidas por Fernando Aguiar]

published 37 books of poetry, poetic performance and international anthologies of visual poetry in several countries. Since 1983, he presented more than 240 interventions and performances in 120 International Festivals, Museums, Cultural Centers and Art Galleries of 26 countries. He is the author of "Soneto Ecológico", a work of environmental poetry composed by 70 trees, in Matosinhos.

is a PhD student in Literary, Cultural and Interartistic Studies at the Faculty of Arts and Humanities of the University of Porto. With a scholarship financed by the Foundation for Science and Technology (FCT), she is currently writing a thesis about the poets Salette Tavares and António Aragão. She is a researcher at the Institute for Comparative Literature Margarida Losa (Porto) and one of the editors of the Interarts Magazine SKHEMA.

Issue #01
1. Resistência-renúncia-reflexo. Movimento inverso
2. Michigan, acaso Michigan e a ficcionalização do coma
3. Coordenadas: abertura, imprevisibilidade, ilegibilidade, possibilidade, silêncio
4. Azul
5. Souvenirs from the city
6. Que raio de barco atravessa que raio de mar a caminho de que raio de porto?
7. Engolido pelo plástico
8. 6 nuages-trouvés
9. Obiana
10. Rio
11. Santa Eulália
12. 10 estudos sobre Clepsydra
13. Gravitatem miniatur ad extremum nominis (2019)
14. Traduzir a si mesmo. Mil perguntas ao entardecer
15. [Mas, e apesar de não gostar, prefiro ser visto…]
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