Ernesto Sampaio: A Presciência como Inesgotável «Fonte de Relâmpagos»
Texto gentilmente cedido pelo autor à Revista SKHEMA e que corresponde ao prefácio a Luz Central, de Ernesto Sampaio (Língua Morta / Maldoror, Outubro 2023)
Este livro acolhe nas suas páginas os quatro volumes de ensaios dados à estampa pelo seu autor – Luz Central, 1958; Para Uma Cultura Fascinante, 1959 (reeditados em conjunto pela Hiena Editora em 1990, com o título Luz Central, que se coopta para a presente edição); O Sal Vertido, 1988; Ideias Lebres, 1999 – acrescidos de uma soma de textos «dispersos e olvidados» e um «apêndice» onde figuram duas das raríssimas entrevistas concedidas por Ernesto Sampaio (Lisboa, 10.12.1935-5.12.2001) à imprensa escrita portuguesa. Publicou ainda, em colaboração com Virgílio Martinho, a monumental Antologia do Humor Português, em 1969, e, de poesia, A Procura do Silêncio, em 1989, Feriados Nacionais, em 1999, e, em 2000, Fernanda, o trágico e quase insuportavelmente belo epicédio de Amor e de paixão, recentemente reeditado por Vasco Santos, na VS. Postumamente, em 2013, com organização e posfácio de Manuel de Freitas, saiu a público As Coisas Naturais, uma soma de crónicas publicadas no jornal Diário de Lisboa num registo metaforicamente rememorativo e fabuloso, que muito merece imediata reedição.
Vale a pena transcrever aqui o excerto inicial da nota biobibliográfica que acompanha, nas edições da Fenda, Ideias Lebres e Feriados Nacionais, pelo humor implacável, feliz e corrosivo, que levou Mário Cesariny a dizer-me, numa tarde de Março de 2002: «Aquela cabeça deitava fogo às gargalhadas por tudo quanto era galáxias em redor, não ficava nada sentadinho nem em sossego: ardia tudo!…», acrescentando, com um misto de profunda admiração e uma infinita tristeza: «Foi a única morte por Amor que me passou perto…»:
Ernesto Sampaio nasceu em Lisboa em 1935. Considera a sua terra natal horrível, infestada de provincianos, de bimbos criminosos, mas mesmo assim, pelo menos a Ocidente, nunca viu outra melhor.
Infância e adolescência um tanto pasmadas: foi quase sempre o último da classe até que de repente passou a ser o primeiro. Nesse mesmo ano abandonou os estudos e partiu à aventura. Voltou arrependido.
Depois, como toda a gente, aceitou a canga do trabalho e deixou-se esticar pela roda infatigável do hábito e da rotina: foi actor, bibliotecário, jornalista, professor do ensino secundário, entre outras desvairadas profissões, mas agora deixou-se disso. Ninguém sabe de que vive, nem sequer ele próprio, embora viva bem. […]
Frequentador, até ao seu encerramento definitivo, a 31 de Dezembro de 1959, do Café Royal, no Cais do Sodré, Ernesto Sampaio migrou naturalmente para o Café Gelo, no Rossio, com os Amigos e companheiros do Royal, a que vieram juntar-se outros, os quais viriam a enformar o chamado «Grupo do Café Gelo», de que fazem parte os poetas e escritores António Barahona, António José Forte, Carlos Loures, Ernesto Sampaio, Fernando e Alexandre Saldanha da Gama, Henrique Varik Tavares, Herberto Helder, Helder Macedo, João Fernandes (Zanaga), José Carlos González, José Manuel Simões, José Sebag, Luiz Pacheco, Manuel de Castro, Manuel de Lima, Mário Cesariny, Máximo Lisboa, Raul Leal (Henoch) e Virgílio Martinho, entre alguns outros, como António Salvado, João Rui de Sousa, António de Navarro e Florentino Goulart Nogueira − que nada tinham a ver com os pressupostos surrealistas reivindicados em maior ou menor grau pelos restantes membros do «grupo» −, a actriz Fernanda Alves, e os artistas plásticos António Areal, Benjamim Marques, Gonçalo Duarte, João Rodrigues, João Vieira, José Escada, Lurdes Castro, Manuel Cargaleiro, Manuel d’Assumpção e René Bértholo.
Em texto inédito, datado de Junho de 1978 − texto escrito para figurar como testemunho na tese de licenciatura em pintura da amiga e artista plástica Aldina (1939-2011), sobre o Café Gelo, apresentada na Faculdade de Belas Artes de Lisboa em 1979[1] −, eis como o autor de Feriados Nacionais descreve esses tempos, esses cafés e seus habitantes:
Eram tempos terríveis aqueles, os dos cafés Gelo e Royal.
As pessoas que ali aportavam vinham alucinadas, abaixo da linha de flutuação, como se tivessem acabado de atravessar uma região de fauna e flora horríveis e venenosas, onde suicidar-se, depois de um dia inteiro a ser esticado na roda infatigável do hábito e da rotina, fosse como dar as boas noites.
Ali podia-se dormir, mas ninguém sabia quando ia despertar. Cada um podia pôr os seus cães à solta. Não era má educação querer tudo da vida.
Fatal e naturalmente, Ernesto Sampaio – que escrevera Luz Central entre os 17 e os 18 anos de idade − não quadra, de modo algum, no número daqueles «jovens gafanhotos» a que alude Herberto Helder num texto sobre Mário Cesariny[2] − texto, de resto, rememorativo e de um certo ajuste de contas com as aventuras e personagens do Café Gelo −, «jovens gafanhotos» esses, que «caíram sobre a poesia radioactiva de Cesariny, comeram dela, fulguraram dela um instante como pequenas jóias uranianas. Carbonizou-os o fogo roubado. Jazem agora nos arrabaldes. Quem não assistiu nem suspeita.»
Luz Central – publicado no mesmo ano em que foram dados à estampa O Amor em Visita, de Herberto Helder; Alguns Mitos Maiores Alguns Mitos Menores Propostos à Circulação pelo Autor, de Mário Cesariny; Festa Pública, de Virgílio Martinho; Exercício sobre o Sonho e a Vigília, seguido de O Senhor Cágado e o Menino, de António Maria Lisboa, e Paralelo W, de Manuel de Castro − surge como um poderosíssimo furacão no panorama pós-presencista e neo-realístico português, com um fulgor inventivo da linguagem e um rasto de novidade poético-especulativa, que fez desconchavar o bestunto aos lentes universitários que, por esses dias, do alto inconteste das suas cátedras, impingiam aos seus muito quietos, caladinhos e atentíssimos pupilos − sem direito a dúvidas (metódicas ou afins), quanto mais a opinião −, «O noivado do sepulcro», de Soares de Passos, como o exemplo perfeito e absoluto do génio da poesia portuguesa (caso de Costa Pimpão, na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, de quem Herberto Helder, seu ex-aluno, contava rocambolesca história a propósito e preceito – história essa que, para seu próprio bem, naturalmente, culminou com o abandono definitivo das veleidades académicas para se fazer ao Poema sozinho).
Escorado criticamente nos pressupostos surrealistas de André Breton, Ernesto Sampaio, para quem «a Literatura […] é a continuidade da Poesia» e não esta um ramo daquela, cria em Luz Central um novo e pessoalíssimo alfabeto, uma gramática outra, uma sintaxe de erro próprio onde «não há projectos que resistam à ironia, ao riso de uma inteligência alerta a todo o drama não justificado, a todo o desvio no caminho do possível», porque «[a] liberdade, ou é uma reivindicação total do Ser ou não é nada.»
Naturalmente que uma escrita assim avassaladora e transgressora − escrita de leitura e apreensão dos universos do mundo em estado de incandescente e presciente paixão cujos fogos e temperaturas nunca afrouxam ou vacilam −, pensando especulativa e criadoramente o fenómeno da criação poética e do Homem perante o mundo e o acto criador e fundador, libertador e mudável, de forma tão pessoal quanto implacável, e como tão raramente em língua portuguesa se pensou por escrito, com tamanha agudeza e desde as vísceras mais secretas, o acto fundador do fazer poético − que se não confunde nunca com o acamar de versinhos, todos muito, muito sentidos, bonitinhos e certinhos, irrepreensivelmente bem comportados, uns por cima (ou atrás) dos outros, que tanto comovem as pedrinhas fadistas da calçada!… −, naturalmente, dizia eu, que uma escrita assim avassaladora e transgressora não aprazeu o palato nem à crítica então estabelecida (ou à de depois, tanto faz) nem às academias: «[p]orque uma voz é isso mesmo, aparição» (Herberto Helder).
Das diatribes críticas da época, vale transcrever esta pérola de humor publicada no segundo número da revista Pirâmide (Lisboa, Junho de 1959), que dá bem a medida do iconoclasta que Ernesto Sampaio sempre foi:
CARTA AO «DIÁRIO POPULAR»
Lisboa, 17 de Abril de 1959
Senhor Director
Num artigo polémico do Sr. João Palma-Ferreira contra o Sr. Afonso Cautela, publicado no «Diário Popular» de 16-4-59, bem como anteriormente num ensaio crítico do Sr. Afonso Cautela publicado no «Diário de Notícias» e em outros artigos de crítica ao meu livro LUZ CENTRAL, fui englobado num sistema onde circulam A PLANÍCIE[3], o «57»[4], a minha geração, a geração de 1870, Carneiro Pacheco, o Ocultismo, uma juventude que escorrega em cascas de melão e não repara na cara dos transeuntes, e onde entre muitas outras e variadas coisas me são atribuídas as qualidades de surrealista lírico, de hábil «jongleur» intelectual, de discípulo de André Breton e de Raul de Carvalho e, finalmente, de criador duma nova escola literária: o «fotosferismo».
Ainda de acordo com esse sistema, no supracitado artigo que renova o português despique entre a cidade e as serras, o Sr. Palma-Ferreira oferece dinheiro a quem encontrar no meu livro coisas que o Sr. Afonso Cautela garante que lá estão.
Viva o Torreense, Senhor Director.
Agradecendo-lhe a publicação desta carta, pedia-lhe o favor de dizer ao Sr. João Ferreira que não seja titaúcha. Por intermédio do seu jornal, desejava também pedir aos restantes trabalhadores de Arte portugueses que trabalhem mais a fim de ter juízo e deixarem de ser artolas.
E creia que, mesmo neste tempo miserável, sou tanto quanto é possível atento e obrigado
ERNESTO SAMPAlO
Nota: − A publicação desta carta foi recusada pelo «Diário Popular». (N. do A.)
Muitos anos depois, Afonso Cautela (1933- 2018) refere-se a esta contenda nos seguintes termos:
Mais do que citar-me, Ernesto Sampaio reagiu (Pirâmide n.º 2) de maneira indignada ao que eu publicara em termos elogiosos. Exagerei no elogio ao livro Luz Central, sem dúvida, e do título do artigo ao nome da tal teoria – fotosferismo – foi tudo uma infeliz anedota. Naturalmente até merecia a resposta intempestiva do autor que se sentiu ofendido com o que eu considerava elogioso, não tanto pelo conteúdo da prosa (que ele até talvez nem tenha lido!) mas por estes apartes laterais. […] o episódio (polémico?) gerado pela publicação no suplemento literário do Diário de Notícias (2-4-1959) do tal meu artigo «Uma Nova Teoria da Criação Humana», pouco mais nos pode parecer hoje do que anedótico, como já o parecia na altura, mas talvez por isso significativo pelo que assinala dos costumes literários da época e, principalmente, das relações humanas entre literatos & críticos.[5]
Na verdade, o texto crítico de Afonso Cautela, «Uma Nova Teoria da Criação Humana», não visava apenas a obra de Ernesto Sampaio, como em subtítulo se justifica: «A propósito de duas estreias: Luz Central de Ernesto Sampaio e O Amor em Visita de Herberto Helder». E é um texto encomiástico para a estreia em volume de Sampaio, cuja nota se afere logo no primeiro parágrafo: «Prefiro considerar este livro de Ernesto Sampaio sem filiação próxima ou afastada, portuguesa ou estrangeira. Além disso, o fundamento teórico de toda uma novíssima poesia é a chave para a sua interpretação.» Um pouco adiante, e, perante uma obra de estreia avassaladora, Afonso Cautela, naturalmente orgulhoso pela sua co-responsabilidade na estreia em letra de forma de Ernesto Sampaio, lembra que este «viu pela primeira vez um texto[6] seu publicado no jornal A Planície dedicado só a poesia e poetas, o n.º de 8/9/1956», acrescentando que «[a]li foi trazido pela mão do Raul de Carvalho [1920-1984], organizador infatigável desse número», para logo a seguir, com toda a contundência, afirmar: «É preciso dizer, sem mais preâmbulos, que a crítica apresentou, perante a Luz Central, a sua demissão, agindo como agiu, pelo método de ir descobrir plágios no que não passa de coincidências, e influências no que não passa de assimilação e transcensão.» E tudo isto, porque «[f]alou-se de tudo, a propósito de Ernesto Sampaio, menos dele e do significado renovador deste seu livro».
Porém, Afonso Cautela − e eis aqui o seu primeiro deslize ou pecadilho − convoca, como «ponto central» desta obra, isto é, o seu «núcleo» irradiante, «a fotosfera»: «Para prática da crítica futura, à volta com o catálogo dos “ismos”», anuncia e sublinha o autor de Lama e Alvorada, «aqui lhe noticiamos o novo “ismo”: Fotosferismo, eis como poderíamos baptizar a nova teoria da Criação Humana que me parece surgir com Ernesto Sampaio.» E precisa: «A fotosfera no campo das ondas luminosas e a gravidade no campo das ondas magnéticas, eis os dois termos-chave para compreender o fotosferismo ou gravitacionismo de Ernesto Sampaio.»
Depois de dissertar sobre o seu conceito de fotosferismo aplicado à obra visada, o crítico não se coíbe de afirmar que «[a] problemática proposta em Luz Central é ainda de uma gravidade como não conhecemos outra em prosadores filo-surrealistas que por aí preencheram o intervalo da soneca que a crítica tem dormido, após os neo-realismos e as líricas bem penteadas», já que «[n]ada há em Ernesto Sampaio que os lembre ou se lhes ligue». E reiterando que não lhe procurou filiação nem consultou «nenhuma história do surrealismo» para proceder à sua análise crítica, assevera Afonso Cautela que «é tão pessoal, tão segura, tão própria a palavra destes três textos que melhor será convencermo-nos de que estamos perante um caso de geração espontânea.» E esclarece: «Não é de quem se usa do alheio esta sintaxe tão diferenciada, esta consciência tão rigorosa e original das grandes verdades que o rosto das grandes mentiras mascara, esta gravidade de poeta. Sim, de poeta.»
Não obstante os encómios ao autor e à obra, ao abordar a terceira parte da obra, «Extra-Texto», Afonso Cautela diz que o autor «joga a cartada indispensável à pesquisa da zona intermédia que é a caixa torácica do divino espírito santo…», através da qual «[d]e hipótese em hipótese, terá de ser visto e revisto o magma escaldante deste livro», dado que, «[a] partir de agora, quem falar de amor há-de saber o que diz, por que o diz, como o diz», apontando o poeta Raul de Carvalho – e este é o seu segundo pecadilho cometido incautamente – como «precursor de Ernesto Sampaio e mesmo da novíssima poesia portuguesa».
Sentindo-se naturalmente atingido nos seus pergaminhos, João Palma-Ferreira (1931-1989), então crítico literário a exercer funções no jornal Diário Popular, riposta a Afonso Cautela, com irónica ferocidade, através do texto «Uma pretensa geração espontânea», dado a público a 16/4/1959.
Partindo da publicação de «toda uma página dedicada a alguns poetas, críticos e ensaístas que ainda não passaram dos vinte anos», Palma-Ferreira começa por insinuar ali a criação de uma espécie de “infantário poético”, ao dizer que os organizadores prometem «para breve uma nova página a incluir mais gente nova». Apodando o texto de Afonso Cautela como o «mais grave» e o «mais comprometedor dos artigos incluídos» nessa página, escuda-se agora na tal «geração espontânea» invocada por Cautela em relação a Ernesto Sampaio, para discorrer sobre essa «condição obrigatória do escritor surgir em geração», sublinhando que «um dos maiores erros da cultura portuguesa, a partir da modificação operada pela geração de 1870, foi, exactamente, o vício de querer imputar a toda uma geração qualquer solução mais genialmente pessoal, qualquer explicação ou interpretação mais dogmaticamente autoritária», para, logo de seguida, zurzir o fotosferismo, afirmando que «mais ismo, menos ismo pouco importa», muito embora, questiona-se, «quantas vezes não foi a precipitada criação de um ismo a culpada pela falência ou dependência de um escritor?» E segue a sua diatribe esmiuçando jocosamente o trabalho de divulgação crítica e especulativa de Afonso Cautela nos suplementos culturais que criou, a partir de Agosto de 1958, no jornal A Planície: «Convívio, Crítica e Controvérsia» e «Zero».
Posto o que, anuncia Palma-Ferreira, «estamos a chegar ao fotosferismo, essa gulosa corrente nova acabadinha de sair do prelo e que faz arredondar o olho vaidoso de muita juventude», na qual «Ernesto Sampaio, no remanso mais ou menos hermético e confuso das suas considerações propunha o Amor!» E logo depois, as frases glosadas por Sampaio na sua «Carta ao Diário Popular»:
(Dou dez tostões a quem conseguir ler a Luz Central de fio a pavio e encontrar lá esse tão profundo Amor). E, como diz o Sr. Cautela, sem ter Luz Central «filiação próxima ou afastada portuguesa ou estrangeira», é Raul de Carvalho o «precursor de Ernesto Sampaio», como, mais adiante, também o Sr. Cautela contraditoriamente diz. Depois, a gravidade, acontecendo entre dois corpos chama-se Amor (dou vinte e cinco tostões a quem descobrir uma coisa destas no supracitado livro). E finalmente uns laivos de Ocultismo, porque o Ocultismo sempre está – de qualquer estranho modo que o Sr. Cautela suspeita – próximo do surrealismo.
No meio de toda esta contenda em que se viu envolvido, certamente que Ernesto Sampaio não responderia ao texto de Afonso Cautela, e a prová-lo, aí está a sua carta a ser dirigida ao director do Diário Popular e visando mais directamente Palma-Ferreira, muito embora a crítica de Afonso Cautela o houvesse naturalmente divertido e tenha eventualmente sido alvo de alguma cáustica ironia entre os membros do chamado «Grupo do Café Gelo».
Acrescente-se apenas que, uns meses depois, o mesmo crítico era destinatário de «Uma Carta para Palma-Ferreira»[7], assinada por Pedro Oom (1926-1974), na qual o autor se não inibia de, com toda a carga de ironia, «lhe fazer uns pequenos, mas muito respeitosos, reparos às suas críticas a Nobilíssima Visão, de Mário Cesariny de Vasconcelos e a «Folhas de Poesia n.º 4», in Diário Popular, de 6-8-59 e de 10-9-59, respectivamente».
Não obstante Ernesto Sampaio − depois de um silêncio de publicação em volume pessoal e autoral de 27 anos (silêncio de publicação tão semelhante ao de António José Forte e José Sebag, para só lembrar dois companheiros do chamado «Grupo do Café Gelo») quebrado com a edição de A Procura do Silêncio, em 1986 −, afirmar no texto que antecede a reedição conjunta de Luz Central e Para Uma Cultura Fascinante, que, «[r]elendo-os, incomodam-me hoje a eloquência retórica, o orgulho louco, a pretensão ingénua que deixam transparecer», não se coíbe de sublinhar quanto
continua a agradar-me algo que sempre relacionei com a eficácia da escrita: a fidelidade observada por quem escreve em relação a certos pactos de aliança misteriosos e obscuros, firmados em seu nome por entidades desconhecidas, como se o jogo do escritor só contasse determinadas cartas e não outras.
Acrescentando:
O que eu queria dizer é que escrever é retirar a linguagem do mundo, arrancá-la ao que a torna um poder pelo qual, quando falo, é o mundo que se fala, com a sua acção e o seu trabalho edificantes. Escrever é a interminável, a incessante e contraditória renúncia a dizer «Eu».
***
Dedicado «[a] Fernanda Alves, minha cúmplice.» − a Fernanda da sua obra derradeira e testamentária −, Para Uma Cultura Fascinante, prosseguindo na mesma linha especulativa de pensamento e acção do livro anterior, ainda que num tom filosófico mais acentuado, celebra o encontro do «amor louco» preconizado por André Breton e revela uma nova experiência do autor no campo das artes: o teatro, «que é talvez a mais perfeita representação simbólica da manifestação universal».
Na Cossoul − Sociedade de Instrução Guilherme Cossoul, frequentou Ernesto Sampaio o chamado “Conservatório da Esperança” (espécie de escola de formação de actores), chegando aí a representar, carreira profissional que não seguiu. Porém, foi na Cossoul que conheceu a actriz Fernanda Alves (1930- 2000), paixão feliz e absoluta, a «Sorte grande, mãe, companheira, a Fernanda foi a salvação da minha vida. O meu mar.»[8]
A uma já sólida erudição, bem patente no livro de estreia, a ligação ao teatro e as longas conversas, no Café Gelo, com Raul Leal (Henoch) − o filósofo de Orpheu e criador do «Vertiginismo», de quem Ernesto Sampaio era um dos mais atentos ouvintes e a quem Raul Leal (Henoch) dizia: «Você pensa que eu não sei quem você é? Está muito enganado. Sei perfeitamente quem você é. Você é a encarnação de Mefistófeles!» − influíram decisivamente na factura de Para Uma Cultura Fascinante, no mais alto e nobre sentido do termo, que é sempre o da apropriação criadora e autoral, sem lugar a dívida ou epígono. E, nesse sentido, reconhece Ernesto Sampaio que «[o] obstáculo mais difícil de vencer no princípio da realização é a solidão moral», para logo acrescentar, peremptório:
A Poesia, insistimos, não é escolha, é necessidade, e ou é essencial ou não é nada. A Poesia é − e é esta a única poesia referida ao Real, a única com qualidade iniciática – a primeira percepção do corpo estrangeiro que existe potencialmente em nós manifestando Realidade e exigindo a ultrapassagem das regras individuais criadoras de fenómenos isolados absolutamente afastados de qualquer gradação, ainda que íntima, do Real. Do Real que não assimilamos, mas a que nos assimilamos, a que nos transmitimos, equânimes com o nosso próprio espírito e com a natureza, abandonando a figura que nos condiciona e que sabemos (sempre soubemos) não ser a nossa vida nem a Vida − a pergunta e a resposta de Amor, o Encontro. Toda a nossa vida − sua respiração, seu fluxo nervoso, sua permanente meditação − é a forma iniciática desse Encontro, razão única, num mundo de e para a morte, da vida e dos esforços humanos.
E se «[o] homem tem tudo. É o Amor que nele tudo liberta.», «[p]orque o verdadeiro amor é conhecimento.», então,
[c]onhecer é ser o Real revelado na Criação. Criar é a «razão de ser» do Ser, que se manifesta em actos criadores, reveladores e redentores. Mas criar é estruturalmente destruir, aniquilar a História individual e colectiva, porque é na História que está todo o Mal.
Toda a escrita especulativa e ensaística de Ernesto Sampaio («os seus poemas-meditações», como lhes chamou Herberto Helder[9]), para quem «afirmar é contestar», visa em absoluto a libertação do Ser através dessa «relação estreita entre a Beleza e a Moral, entre a realidade principal e as formas sensíveis», cauterizando «rigorosamente a doença desta civilização ignorante e sem memória, procurando no vazio e no desespero uma ideia do Homem que permita lançar de novo as bases duma cultura fascinante». Na verdade, «[n]inguém pode viver senão ardendo», já que «[a] expressão do real é a Poesia» e «[u]ma arte poética […] é sempre uma cosmogonia.» Ou seja,
[…] o poeta é o homem que consegue, quando o seu Verbo encarna, alcançar estados de consciência absoluta, de absoluta vidência. O poeta é precisamente o único homem cujo funcionamento espiritual não é arbitrário, é real, o único que consegue mover-se no presente e dele falar. O resto é ignorância.
Daí não espantar o entusiasmo lúcido de Herberto Helder − sempre tão visceral nos seus juízos críticos −, ao afirmar sobre a obra de Ernesto Sampaio, que «são dos textos mais agudos e corajosos que entre nós se escreveram, na modernidade, dentro da e sobre a «experiência poética».[10]» Aliás, seja sublinhado um pormenor nada despiciendo: a influência inequívoca destes dois livros de Ernesto Sampaio, quer em Herberto Helder (veja-se, para além de várias formulações electivamente afins de certos textos de Photomaton & Vox[11], ou, ainda, um que outro texto avulsamente publicado e não cooptado em volume pelo autor − tão próximas, também, essas mesmas formulações, de «A Única Real Tradição Viva» −, o caso de Poemacto, escrito e publicado em 1961 na Contraponto de Luiz Pacheco, sobretudo na sua parte «III» − para o que bastará confrontar esse fragmento do poema com estas palavras de Ernesto Sampaio):
O Teatro é a expressão da necessidade demiúrgica da consciência humana: concretizar ritualmente, por transmutação analógica, o primeiro ritmo e o primeiro som. Integrar a consciência no corpo, carregar o corpo dos prestígios criadores que circulam na natureza − eis a função do Teatro. O lugar onde esta operação se efectua é o único onde o homem pode inserir na sua realidade total, o único onde o poeta-actor pode fazer agir a realidade total sobre a humana inconsciência da sociedade e pode vencê-la, o único onde pode obrigar a sociedade a participar da sua consciência, a ser dela elemento activo e integrante.
quer em Eugénio de Andrade, na sua «Poética» (texto primeiramente publicado como «Prefácio» à edição de Poemas 1945-1965[12]), que começa precisamente com estas palavras: «[o] acto poético é o empenho total do ser para a sua revelação. Este fogo do conhecimento, que é também fogo de amor, em que o poeta se exalta e consome, é a sua moral. E não há outra.»
***
No caso de Ernesto Sampaio, o longuíssimo silêncio de publicar-se em volume autónomo e autoral acima referido, não significa de modo algum abandono das artes da escrita, sequer da sua prática teórico-especulativa, inquiridora e interventiva no quotidiano cultural português do seu tempo. Muito pelo contrário. Para além de uma breve incursão pelo mundo da edição, criando a chancela A Barca Solar − «uma dessas iniciativas confidenciais que pelos anos sessenta alguns trânsfugas da sociedade literária se divertiam a organizar e desorganizar, com umas ideias de gosto e de consumo absolutamente desconformes com os tempos» (onde traduziu e publicou A Literatura no Estômago, de Julien Gracq, e Ode a Charles Fourier, de André Breton, seguida de Uma Vida Inteira, de Benjamin Péret − volume recentemente reeditado pela VS.) −, Ernesto Sampaio dedicou a sua vida à tradução poética e literária, e ao jornalismo da área cultural, onde deixou marca pessoalíssima, indissipável.
A confirmá-lo à saciedade, aí estão, não só uma vasta massa de textos publicados na imprensa escrita, como os dois volumes (Sal Vertido e Ideias Lebres) que organizou a partir de uma selecção desses mesmos textos, acrescidos de um que outro texto de cariz mais teórico − inédito ou disperso −, e de alguns dos prefácios que acompanharam as suas inúmeras traduções.
Em Sal Vertido, tal como em Ideias Lebres, onde figuram alguns textos fulgurantes de especulação teórica, como «A Única Real Tradição Viva» no primeiro, e «Poesia e Prosa» e «A «Boca de Sombra»», a par de textos de corrosivo humor visando os «bimbos criminosos» da «sua terra natal» − «Pathos Português», «Perfil do Idiota» e «O Cidadão Liru» − no segundo, o que se nos depara − não obstante o autor afirmar: «eu não me intitulo surrealista, nem nada que se pareça» −, é uma transposição prática dos pressupostos teóricos do «surrealismo que sempre rejeitou qualquer conciliação com as condições sombrias da nossa existência» aplicados aos autores aqui celebrados através das forças libertárias da energia propulsora da criação poética e literária, numa escrita de límpida, imperturbável lucidez, e de uma constante e apaixonada presciência exposta logo na «Abertura» a O Sal Vertido:
O sal que sem ilusões aqui se verte foi colhido em salinas outrora prodigiosas e hoje desertas: Lautréamont, Jarry, Rimbaud, Breton, Duchamp, Swift e outros geradores de uma energia específica do espírito moderno que veio a ser condensada, elaborada teoricamente e prolongada no surrealismo, o qual leva já setenta e cinco anos a mostrar-nos não ser a liberdade outra coisa senão a audácia do desejo. A liberdade esteve sempre em marcha nas criações vivas dos surrealistas: foi a sua realização. Coisa prática, que se forja e inventa, de todos, neste mundo, que é o único existente.
Disse que vertia este sal sem ilusões. Assim é. Talvez possam contar-se pelos dedos os verdadeiros interessados em mais consciência, mais vida, mais liberdade, mais realidade, mas nem por isso estou menos convencido de que «a poesia deve ser feita por todos; não por um» e que é preciso dar um conteúdo a esta a afirmação. A alternativa é a morte, não só do conhecimento e da poesia, mas de todo o verdadeiro amor e de toda a verdadeira revolta.
A dignificação da Poesia como «uma actividade capaz de transformar a mentalidade do homem face aos problemas fundamentais da sua condição e da sua vida» directamente proporcional à dignificação do desejo como acto vital e fundamental da insubmissão à imbecilidade instituída e geral dos políticos poderes os mais ignóbeis, numa reivindicação absoluta dos «antigos prestígios, o seu poder de encantação, de transposição dos secretos ritmos do mundo, de vidência, magia e ciência» são a pedra-de-toque constante, não obstante
[o] surrealismo, como a liberdade, permanece[r] um projecto e a ninguém é permitido tomá-lo por realizado em nenhum dos seus aspectos.
O projecto de que falamos é a abolição da distância que separa cada homem de si próprio: por essa brecha entram todos os dias na vida humana a tristeza, a vergonha, a complacência e a baixeza. Não pode haver nada de mais moderno do que a unificação do homem, e é por isso que o surrealismo, sem trazer nenhuma verdade nova, é definitivamente moderno: restitui à verdade antiga e dá à verdade futura a possibilidade de serem recebidas e vividas como verdadeiras.
Outra pedra-de-toque fundamental em Ernesto Sampaio é o Humor: o Humor como superior manifestação da inteligência humana, arrancando «a linguagem à sua servidão», aqui reiterada no sentido em que Breton a apontava: «[a] linguagem foi dada ao homem para que dela faça um uso surrealista.» Na verdade,
[a] parolagem oferece realmente a quem a pratica a possibilidade de saber tudo sem nunca se enganar.
A bem dizer, nos dias de hoje, só os poetas (raríssimos os poetas autênticos) não falam fiado. Os outros preferem a parolagem que cobre e esconde o ser, fazendo com que o homem se encontre no meio dos entes, não de olhos abertos e nus, mas já prevenido daquilo que se diz deles.
A parolagem ou falar por falar alimenta-se do saber por saber: aquela curiosidade que desflora todas as coisas sem meditar em nenhuma, que por todas passa os olhos sem se deter na contemplação de uma só, sem transformar nenhuma coisa sabida em suco e sangue da própria vida espiritual.
A curiosidade, motivadora do falar fiado, saltita de conhecimento em conhecimento. É natural: nada do que se sabe superficialmente satisfaz o espírito. Mas afinal que se pretende saber? O que a parolagem dita, isto é, o que é preciso ter lido e visto para estar ao corrente. E dado que se sabe tudo sem realmente se ter compreendido nada, todas as palavras e propósitos possuem um sentido equívoco: dizem tudo e dizem nada.
Neste exercício do Humor (sim, em maiúscula, por favor), sublinhem-se, entre vários textos de O Sal Vertido, o contundente «Prefácio à Antologia do Humor Português» como exemplo de categorização e classificação do tão portugalês[13] anedotário ridente, extrapolando-o para um registo em que «[o] humor, que na verdade é um dos privilégios da poesia, constitui, como o amor e a vontade prática revolucionária, a única força compósita capaz de restituir ao homem a sua dignidade autêntica.» E mais adiante:
Ao recusar-nos toda a espécie de conforto intelectual, ao retirar-nos o apoio dos hábitos e da rotina, o humor é invenção permanente, equilíbrio instável na crista das catástrofes, maneira de passar ao crivo da inteligência tudo o que pretende ultrapassá-la ou ignorá-la. A sorrir ou a ranger os dentes, o humor destrói a visão convencional do mundo, duvida de todas as definições lapidares, corrige todas as teorias definitivas, é, em suma, contra a esclerose e o imobilismo triunfantes, o melhor meio de conquistar e manter na sua forma mais pura a independência e a liberdade.
E, porque «do Humor Português» se fala agora, andemos um pouco para diante, tomemos «A Mala das Linguiças», e deleitemo-nos com os três textos finais de Ideias Lebres − «Pathos Português», «Perfil do Idiota» (esse ser «geralmente competente, moralmente irrepreensível e socialmente necessário. Faz o que tem a fazer sem dúvidas ou hesitações, respeita as hierarquias, toma sempre o partido do bem e acredita religiosamente nas grandes ficções sociais»), e «O Cidadão Liru» −, verdadeira escalpelização a céu aberto de um mundo manietado em si mesmo, claustrofóbico, incapaz de desejo e libertação: breve riso alarve em estado de anedota espinoteante e redentora:
Impotente perante este sistema (a que se submete cegamente), o cidadão nunca se interroga sobre o que deve fazer (tem, aliás, a sensação de que não pode fazer nada), limitando-se a pensar com inquietação no que lhe virá a acontecer.
Viver atolado na merda até ao pescoço não o preocupa demasiado, quando outras ameaças mais concretas se perfilam no horizonte, como perder o emprego, por exemplo. Sem nenhuma influência no destino da colectividade nem no seu destino próprio, o indivíduo vê-se reduzido a esperar que a sorte lhe sorria, isto é, que não lhe batam muito.
De resto, lembra-nos Ernesto Sampaio, «[o] humor arroga-se o privilégio, não de depreciar ou concorrer com a realidade, mas de se lhe substituir.» Daí que, só a obra plástica de Cruzeiro Seixas, a pintura, os picto-poemas e a poesia de Mário Cesariny, a obra de António José Forte, Herberto Helder e Manuel da Silva Ramos, em português, terem merecido a sua atenção crítica, pagando, como afirma na entrevista que encerra o presente volume, aos fazedores da «literatura contemporânea», com «a indiferença com que me tratam.» E acrescenta, num belo sacudir de equívocos: «guardo para mim a amizade solene com dois ou três amigos, o Herberto, o Cesariny…, gente com quem gosto de rir.» E raramente se leu leitura tão irradiante sobre a pintura surrealista ou a escrita-poema de Cesariny, ou tão afirmativa e sem espaço à gaguez ou ao engulho críptico, como sobre a poesia de Forte e Herberto, o que não é dizer pouco.
Nestes tempos cada vez mais mentalmente indigentes e debilóides, de aplauso pronto e ululante para o clientezinho habitual; «num tempo onde, por faltar o essencial, tudo parece sobrar» − quem, senão um Poeta, poderia escrever com propriedade inequívoca, as palavras que se seguem?:
Tanto pior se a realidade vence sempre e convence os eternos convencidos. Esse mundo não é o nosso. No nosso, o poeta é um homem que sente a sua inspiração, escuta o seu corpo, apoia-se nos seus alentos, órgãos, cérebro para destruir todas as ordens que não sejam a sua, contestar as leis da organização da desgraça (que podem ser as da linguagem ou do audiovisual). Mesmo que o não consiga, é-lhe sempre viável descobrir no fundo da sua desgraça uma clarividência nova.
Ou não fosse essa «clarividência nova»
a única lei do escritor, [que] para além de desenvolver ao máximo as suas possibilidades criadoras, consiste em devolver à comunidade cultural a que pertence um idioma diferente do que dela recebeu. Se não acrescentou nada, se a língua que existe agora é exactamente a mesma que existia quando começou a escrever, o seu nome pode desaparecer: a literatura em nada ficará afectada. […]
Um pouco mais adiante (ou não estivesse Ernesto Sampaio a falar do panfleto de Julien Gracq A Literatura no Estômago), é a bela e teimosa «literatice» − essa variante de rútilo pechisbeque, em fôrma festejada e reprodutora a esmo, nos tons variáveis e bailarinos de poema, romance, conto, ensaio ou peça dramática (caso menos frequente) − quem tem honras de ser contemplada em todo o seu divino esplendor:
Em verdade, a súbita instalação do comércio literário por grosso num mercado que o digere mal, transformaram os prémios ditosos num acúmulo de pequenas corrupções e imposturas, de invejas e conspirações ridículas, de conluios vergonhosos entre escritores e jurados, de mandarinatos e tráficos de influências, tudo isto num país onde se não lê.
Acresce ainda referir − para lá de todos os escritos, sempre de uma clarividência e de uma limpidez absolutamente notáveis, iluminando com a sua luz central autores tão variados como Antonin Artaud (dado a conhecer pela primeira vez em Portugal e em língua portuguesa por Ernesto Sampaio em 1959, no n.º 1 da revista Pirâmide), Adamov (a quem Mário Alberto[14] e Manuel de Lima[15] construíram propositadamente de raiz um «palácio bizantino» no Parque Mayer para o receber na sua passagem por Lisboa em Setembro de 1960), Alfred Jarry, Lautréamont, Rimbaud, Marcel Duchamp, André Breton, Kafka, Walter Benjamin, Swift, Beckford, Johnson, Philippe Soupault, Castañeda e o feiticeiro maya Juan, Büchner, Fourier, Lévi-Strauss, Thomas Bernhard, Raymond Roussel, Hölderlin, Oscar Wilde e Gervásio Lobato −, as leituras não menos prescientes e apaixonadas que Ernesto Sampaio faz das chamadas «literaturas primitivas», quer em «O Materialismo dos Índios Yaquis», pelo seu sentido mágico, na mais nobre acepção do termo – tema, de resto tão caro aos surrealistas −, quer em «Notícia e Comentário», prefácio a Popol Vuh, esse documento «de grandeza inigualável na América», graças ao qual, a par do Livro do Conselho, entre alguns outros − porque estes povos possuíam, não só uma poderosíssima civilização, mas também uma escrita −, «chegaram até nós alguns documentos e códices onde relatam a sua história, a bondade dos seus deuses, a recordação das suas alegrias e grandes desgraças.», e onde a «concepção mágica do mundo, expressa no Popol Vuh pela alta voz da poesia popular, é o primeiro marco implantado pelo pensamento no caminho do seu lento despertar», posto ser «de facto de magia, mais do que de religião, que nos fala o Popol Vuh.»
***
«Dispersos e Olvidados» abre com «Uma Literatura Problemática»[16], o primeiro texto de Ernesto Sampaio publicado em letra de forma. Esse texto viria (com a posterior edição de Luz Central, em 1957, e Para Uma Cultura Fascinante, em 1958), a dar azo a uma polémica, em Abril de 1959, na qual pontuaram João Palma-Ferreira e Afonso Cautela, como atrás foi referido.
É, ao fundo esquerdo da Rua do Alecrim, no Cais do Sodré, o tempo do Café Royal. Gerido por Pepe Blanco, o Café Restaurante Royal é poiso e escritório dos “surrealistas”, que ali, na máquina de escrever as ementas, dactilografavam os seus poemas e cadáveres esquisitos, ou os stencils para as restritíssimas edições policopiadas.
O Royal fechará as suas portas a 31 de Dezembro de 1959, com uma exposição de pintura e desenho de António Bronze (com direito a pequeno desdobrável com texto crítico de Manuel de Castro) − o que forçará o grupo a migrar para o Café Gelo, no Rossio.
É, enfim, o tempo da «lógica do café royal» (Mário Cesariny), onde
O inferno é o real absoluto. Quanto mais infernal mais verdadeiro.
Por enquanto.
Horus filho de Osíris e de Nephtis.
O pavoroso e o vaporoso incluem-se.
Uma nuvem escarlate sai da tua boca em direcção ao rio. Talvez te hajas devorado a ti mesmo, primeiro só um braço, depois só o outro. Talvez a imagem de uma cidade em chamas onde o excesso de circulação de revoltos, na zona dos quartéis, atira para o céu todos os pesos médios.
Amor dos elefantes. Ao Cruzeiro Seixas.
Se tu não viste tudo que viste tu?
As coisas inanimadas animaram-se: quando dormes há um prédio que te adora.
O lirismo é um epigonismo da prisão de ventre. Se alguma vez fui lírico — mas dizem-me que sim — é porque estava com essa prisão.
Os que se matam parece que se atam.
Colo louco.
Apesar do outro que diz, duvida que o anão aos ombros do gigante veja mais que o gigante. Na verdade não vê: não é da sua contextura. A visão do gigante é peculiar, formam-na os seus tamanhos, o seu passo, o seu conhecimento da floresta. Aos ombros do gigante, se chegou aí, o anão vê anão o seu universo anão.
Ensaia sem rancor a formiga obediente.
Sai-se para a literatura quando é da literatura que é preciso sair.
Os maias prescreviam toda a forma escrita, considerada atentatória do funcionamento do mundo. Nós expelimos literatura de vibração.
Encontrar a verdade em corpo e em alma é o único fim da boca humana, o único trabalho que deve prosseguir.[17]
Desse tempo, e desse Café Royal (rememorado no último texto do presente capítulo), dirá Ernesto Sampaio em entrevista a Mário Santos, aqui reproduzida em «Apêndice», que o Royal «era o nosso café preferido, apesar de hoje só se falar do Gelo, não sei porquê». E a seguir: «o fecho dos cafés de Lisboa foi uma coisa que teve uma certa importância no facto de eu deixar de escrever: eram sítios onde tínhamos grandes períodos de ócio, que aproveitávamos para escrever. Escrever em casa é uma coisa que não dá jeito nenhum.»
Não tendo ainda o fulgor que os textos posteriores irão tão naturalmente irradiar, «Uma Literatura Problemática» revela já um espírito arguto, especulativo, uma lucidez e um pressuposto de vida e de escrita, que Ernesto Sampaio jamais abandonará.
De seguida, reúnem-se alguns prefácios que, por uma ou outra razão, o autor não acolheu em nenhum dos volumes que organizou e deu à estampa, como sejam os prefácios a Lenz, de Georg Büchner, a O Declínio da Mentira, de Oscar Wilde, a Entrevistas e a Poemas, de André Breton (a que se junta «Sobre a poesia oráculo de André Breton, um toque do seu dedo no tambor…», presciente ensaio publicado aquando da edição dessa antologia poética do papa do Surrealismo francês), a Os Sentimentos Atrasam, de Antonin Artaud, e a Lisboa em Camisa, de Gervásio Lobato.
Mas, também, o fabuloso texto da palestra «Surrealismo» (pronunciada a convite da Associação dos Estudantes do Instituto Superior Técnico de Lisboa, e por essa mesma Associação publicado em 1964, no primeiro volume de As Grandes Correntes da Literatura Contemporânea), texto esse que serviu de base, com vários cortes, emendas e acrescentos, à palestra proferida três anos depois, na Galeria Divulgação, no Porto, onde o título passou a ser «O Surrealismo: Uma Estrada Sem Fronteiras», dado à estampa no volume colectivo Grifo, em 1970 – de onde Herberto Helder cooptou um fragmento, que titulou «[Uma Estrada sem Fronteiras]», para a sua ferozmente pessoalíssima «antologia das vozes comunicantes da poesia moderna portuguesa» Edoi Lelia Doura, de 1985. E é este, por certo, na sua versão final aqui reproduzida, um dos escritos mais veementes e pessoais, testemunho inconteste da ética e da estética de Ernesto Sampaio, que, para si, tem como «[…] a mais humana e livre das actividades: a criação poética», pois «[…] quer na vida quer na literatura temos de ser o nosso próprio autor».
Acrescem ainda os textos «Man Ray: Um ferro de engomar passado sobre o mundo» (iconoclasta celebração do «mais imaginativo inventor de maquinismos da arte moderna»); «AMORE, de Sérgio Lima» (poeta surrealista brasileiro, hoje um pouco mais conhecido em Portugal do que em 1967, aquando da publicação deste texto entusiasta); «A viagem espiritual de O Caçador de Tesouros» − cuja tradução portuguesa Ernesto Sampaio assina −, é uma belíssima leitura da escrita do imensíssimo poeta da prosa que é J.M.G. Le Clézio, esse escritor que «queria tão-só falar da beleza eterna, e do olhar dos homens», sublinhando Sampaio a génese e a evolução da obra «de um visionário que, do fascínio estupefacto, desvairado, pelo horror da sociedade industrial, passou a uma aquiescência quase serena, ao regresso pacificado às origens de um mundo iluminado pela luz de uma aurora bíblica, parecida com a que banha algumas vezes o litoral mediterrânico ao erguer do sol»; as entrevistas a José Saramago, «José Saramago e o Alentejo: Um livro “levantado do chão”» (a primeira grande e luminosa entrevista ao Nobel português, aquando da publicação do romance que o começou a catapultar para o lugar que veio a ocupar na renovação inovadora da ficção portuguesa e, porque não?, também da ficção universal), e a António José Forte, «Através do poeta todos podem ver: Entrevista com António José Forte» (tal como saiu no Diário de Lisboa, sem os expurgos para publicação em Corpo de Ninguém e subsequentes edições da reunião da sua poesia); dois textos em torno de Herberto Helder e do seu livro Última Ciência (incluindo uma polémica com o JL zurzida numa «mala de linguiças»); «O Mundo Pintado Como um Sonho Preciso» (belíssima leitura do trabalho plástico de Aldina Costa, viúva de António José Forte); «Sade ou a Destruição da Regra» (brilhante especulação a propósito da reedição de A Filosofia na Alcova, do Divino Marquês); «As Ilhas (des)encantadas de Melville» (crítica presciente ao livro As Ilhas Encantadas); «Palavras-Urtigas» (texto no qual Ernesto Sampaio jamais negou, sonegou ou obnubilou o seu pessoalíssimo «lugar entre o anão de Arcozelo (75 cm.) e o gigante de Manjacaze (2,45 m.), o mais baixo e o mais alto homem do mundo»), visando Viagem Com Branco no Bolso, de Manuel da Silva Ramos – texto de hilariante memória pessoal do autor (definitivamente rendido à «procissão dos cabrões», numa ilha dos Açores, onde cumpriu o serviço militar), e leitura cirúrgica do «torrencial» romance em questão.
«Yeats e a Irlanda oculta» é um magnífico e raro ensaio sobre W. B. Yeats a pretexto do volume de contos Onde Nada Existe Deus Existe, «excelentemente traduzido por Margarida Vale de Gato, também autora de um prefácio útil e pertinente.»
«Ser e fazer» é um doloroso obituário dedicado ao editor Manuel Hermínio Monteiro, começando Ernesto Sampaio por afirmar: «Agora ocupo-me do que já não existe. Mortos, muitos mortos, convivem comigo, num diálogo extenuante através de fotografias, velhas cartas, dedicatórias de livros, quadros, objectos oferecidos e até vozes (as que guardei gravadas)», onde subjaz a ausência de Fernanda Alves, a sua amantíssima companheira de toda a vida, falecida a 6 de Janeiro de 2000, no Porto.
«Os espelhos e a morte», é uma bela crítica à peça I Due Gemelli Veneziani, espectáculo do Piccolo Teatro de Milão encenado por Luca Ronconi, que teve produção do Festival de Teatro de Almada e do Centro Cultural de Belém, cuja representação aconteceu em Lisboa.
A «Antes da teoria», outra crítica de teatro sobre a representação da peça de Bertolt Brecht, Venda do Pão, pelo Centro Dramático de Évora, segue-se «Ao menos Gil Vicente», acutilante texto especulativo sobre a criação dramática e a leitura de teatro em Portugal, e as razões sociais e políticas por que «em Portugal não se lê nada, mas nesse nada que ainda se vai lendo o teatro deve vir certamente em último lugar», aventando Sampaio que «a causa talvez se deva à nossa débil tradição dramática.»
«A música teatral de Tchékhov» é uma viagem apaixonada pela obra do genial contista e dramaturgo, a propósito da publicação do primeiro volume da edição completa dos seus contos, desvelando «o sentido subtil do «trágico das pequenas coisas» e uma dulcíssima e lancinante poesia.»
«As forças negras» abordam a peça levada à cena pela Cornucópia, O Novo Menoza ou História do Príncipe Tandi de Cumba, de Jakob Lenz, numa leitura abrangente e contextualizadora desta obra no seio dos clássicos do romantismo alemão.
«Os poderes da literatura» dá-nos uma longa e sagaz leitura crítica − no sentido em que Oscar Wilde a entendia e Sampaio cita −, como «uma criação sobre a criação», à obra de Pietro Citati, Kafka − Viagem às Profundezas de uma Alma, cuja tradução Ernesto Sampaio assina.
«A invisível noite» aborda a encenação e representação da peça 4.48 Psicose, de Sarah Kane, autora trágica, que se enforcou em Londres «às 4 e 48 de uma madrugada de Fevereiro de l998», aos 27 anos, porque, justificou ela, «sou triste, um fracasso como pessoa, quero matar-me, perdi o interesse pelas pessoas, não sou capaz de tomar decisões, não consigo comer, não consigo dormir, não consigo pensar, sou gorda, não consigo escrever, fazer amor, o meu irmão está a morrer, o meu amante está a morrer, estou a matar os dois. Não quero morrer. Não quero viver…»
Publicados postumamente, a 22 de Dezembro de 2001, os textos «André Breton ou o mundo às avessas» e «O surrealismo no café», são os derradeiros textos de Ernesto Sampaio no jornal Público. E são, na sua circunstância de escrita e de publicação adiada ou de “reserva” editorial, uma inequívoca espécie de testamento literário e memorial de vivências, de certo modo premeditados pelo seu autor. Antecedendo-os, uma breve nota da redacção − não assinada, mas fácil de deduzir ter sido redigida pelo jornalista Rui Ferreira e Sousa (que, literariamente, assina Jaime Rocha) −, que vale a pena transcrever aqui:
Numa edição de 1955 de Os Manifestos do Surrealismo de André Breton (Le Sagittaire, Paris) que tão afectuosamente ele guardava, Ernesto Sampaio sublinhou: “A minha maior ambição seria deixar o sentido teórico indefinidamente transmissível depois de mim.” Falecido no passado dia 5 em Lisboa (ver PÚBLICO 07-12, pág. 44), de Ernesto, colaborador do Mil Folhas desde o seu primeiro número, guardámos dois textos inéditos, centrais sobre a sua visão e vivência do Surrealismo. Publicamo-los agora, como homenagem póstuma a um homem raro que acreditava ser “o desejo [o] que liga o homem ao mundo”.
A fidelidade de Ernesto Sampaio aos princípios e postulados do surrealismo estão bem patentes e sublinhados a traço muito grosso em «André Breton ou o mundo às avessas», onde reitera que «o surrealismo foi uma grande fraternidade, um raro e grande movimento, uma extraordinária nebulosa onde se encontraram juntos, e de nenhum modo por acaso, os principais artistas da época, muitos dos quais exorbitam da nebulosa para gravitar como estrelas solitárias.» Ou seja,
O surrealismo é um acontecimento no sentido mais forte do termo. Se tivesse podido aclimatar-se, seria lícito dizer que foi através dele que uma época se compreendeu verdadeiramente a si própria, tomou o seu lugar na sequência da história essencial do mundo, o que não significa que apanhou em andamento o comboio de um sentido da história já feito, mas “fez” ser esse sentido revelando-o, dando figura (sentido) à história ao reorganizar o passado a partir da sua intuição, ela própria não arbitrária e aberta ao futuro.
«O surrealismo no café» dá-nos a ler uma testamentária, pessoalíssima e íntima memória através de uma viagem pelos há muito já inexistentes cafés de Lisboa, onde «o desejo (…) liga o homem ao mundo», lembrando-nos ainda Ernesto Sampaio que «sem o desejo, o mundo estaria morto para o homem e o homem morto para o mundo.» E avisa, sabendo muitíssimo bem de mais do que fala, o autor de Fernanda: «Mas não é fácil a vida do desejo». Sequer a vida da paixão, como a sua própria morte veio confirmar à saciedade, o que levou o seu muito antigo Amigo, Admirador e Admirado constante Mário Cesariny (em maiúsculas, se faz favor, para que não haja equívocos apócrifos!), a declarar, numa súmula de Poema absoluto, no «Depoimento» que concedeu ao jornal Público de 7 de Dezembro de 2001, dia do 66.º aniversário de Ernesto Sampaio:
Ernesto Sampaio tinha a grande rebeldia e a grande inteligência. Dentro do grupo surrealista, era dos mais lúcidos, dos que mais sabiam, dos mais rebeldes. Um sentido de humor formidável, uma agudeza de espírito extraordinária, amabilíssimo. Era uma figura muito rara, de saber e dedicação. Uma figura grande. Desde a morte da Fernanda Alves, já não sabia viver. É a única pessoa que conheço que morreu de amor.
Como «Apêndice», e a fechar o presente volume, as belas, pouquíssimas e assertivas entrevistas que Ernesto Sampaio concedeu − a primeira a Mário Santos em Outubro de 1993 para o suplemento «Leituras» do Público, e a segunda a António Cabrita e Vasco Santos para o primeiro número de Almanaque Topográfico da Fenda Edições, no Outono de 1999.
Chamo a atenção para a coerência que atravessa este livro − que toma o título antigo e atemporal de Luz Central −, e que é bem a coerência de uma vida: a lucidez não raro visionária; a inteligência presciente e luminosa que emana de cada frase, de cada parágrafo, de cada tema ou motivo tocados como quem revela o ouro mágico e resplendente das deusas submersas que lavram a criação e o poema; a ideia que devém ideal tocável e vivível: o desejo, a liberdade e a paixão que se consumam numa festa para onde toda a convocação e presença é uma interminável «estrada sem fronteiras» sobre um pulsar mais leve e habitável do mundo − porque mundo maravilhado, mágica e profundamente encantado pelo poder único e soberano da Poesia − cuja existência é muito anterior à existência de Deus, e fora da qual nada subsiste. Razão, aliás, por que é este um daqueles poucos, muito pouquíssimos livros verdadeiramente importantes e fundamentais alguma vez publicados em português.
É nessa categoria rara, raríssima, de livros mágicos «vindos do outro lado do tempo» e «escritos no interior de um sonho» (Le Clézio) que esta Luz Central fulgura: jóia fabulosa e fulminante, que se toca, não em leitura única e arrumada logo à pressa para nunca mais, mas em contínua releitura de entusiasmo aprendiz e sage «entre as passagens negras do esquecimento».
Lisboa, 7 de Dezembro de 2020-8 de Janeiro de 2023
NOTAS
[1] Jornal de «Informação Regional» publicado em Moura, no Alentejo, onde Ernesto Sampaio se estreou em letra de forma a 8-9-1956, com o texto (neste livro reproduzido) «Uma Literatura Problemática», e onde Afonso Cautela criou e dirigiu o suplemento «Ângulo das Artes e das Letras» em medos da década de 1950. Ver: A Ideia – Revista de Cultura Libertária, II Série, Vol. 16, n.º 71-72, Évora, Outono de 2013, p.59.
[2] Jornal apresentado como «folha independente de cultura» e um dos veículos privilegiados da Filosofia Portuguesa, publicado em Cascais entre Maio de 1957 e Junho de 1962, de que saíram 11 números, e que teve António Quadros como seu primeiro director.
[3] O artista plástico Querubim Lapa (1925-2016) apanhou boleia e licenciou-se com a mesma tese.
[4] Herberto Helder, «Herberto Helder phala de Mário Cesariny», in A Phala, nº 9, Lisboa, Abril/Maio/Junho de 1988.
[5] Afonso Cautela, «Surrealismo & Surrealistas», in A Ideia – Revista de Cultura Libertária, II Série, Vol. 16, n.º 71-72, Évora, Outono de 2013, p. 66.
[6] Ernesto Sampaio, «Para uma literatura problemática», A Planície, Moura, 8/9/1956. Este texto abre o capítulo «Dispersos e olvidados» do presente volume.
[7] Pedro Oom, Uma Carta para Palma Ferreira, Lisboa, A Antologia em 1958, Série Negra, 1959.
[8] Ernesto Sampaio, Fernanda, VS. Editor, Lisboa, [3.ª ed.], 2020, p. 50.
[9] Herberto Helder, «Nota biobibliográfica», in Edoi Lelia Doura: Antologia das vozes comunicantes da poesia moderna portuguesa, Assírio e Alvim, Lisboa, 1985, p. 265.
[10] Herberto Helder, «Nota biobibliográfica», op. cit., p. 265.
[11] Herberto Helder, Photomaton & Vox, Assírio & Alvim, Lisboa, 1979.
[12] Eugénio de Andrade, Poemas 1945-1965, Colecção Poetas de Hoje, Portugália Editora, Lisboa, 1965, pp. 9-11. Texto posteriormente inserido em Afluentes do Silêncio, Editorial Inova, Porto, 1968, e em Rosto Precário, Limiar, Porto, 1979.
[13] Palavra colhida no poema «Cólofon ou Epitáfio», de Ruy Belo (1933-1978). In: Homem de Palavra(s), Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1970.
[14] Cenógrafo e artista plástico (1925-2011). Personagem fabulosa e último habitante do Parque Mayer. Co-fundador dos grupos de teatro Ádoque e A Barraca, em Lisboa.
[15] Escritor e dramaturgo (1915-1976) ligado ao chamado «Grupo do Café Gelo» e «mestre do nonsense português» como lhe chamou Luiz Pacheco, a Editora Ponto de Fuga publicou a sua Obra Completa em 2019.
[16] Publicado em «Ângulo das Artes e das Letras», suplemento literário do jornal A Planície, Ano I, n.º 20, Moura, 8/9/1956, pp. 1 e 12.
[17] Mário Cesariny, Primavera Autónoma das Estradas, Assírio e Alvim, Lisboa, 1980, pp. 55-56.
(1960) is a poet, translator, and author of children's and young adult literature. Represented in various anthologies, he has published several books of poetry, including "A Palavra Exuberante" (2004), "Sortilégios da Terra" (2007), and "Noite Vertical" (2017). He has contributed to newspapers and magazines in Angola, Brazil, Mozambique, Italy, and Spain. He has translated poems by Vicente Huidobro, William Carlos Williams, and Joan Brossa, and has organized editions of the works of Mário Cesariny, Natália Correia, Fernando Pessoa, and Luís Carlos Patraquim.