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Can u listen?

 

– So I figured. Since I had not started, I could just stop anywhere. It didn’t make any difference. I could just stop, and play a song. (Portela, 2017)

 

 

Can u listen? é uma criação sonora no âmbito da música eletrónica que resulta da aplicação de técnicas de sonificação de dados a partir de um excerto do artigo Social Relations as Data and Metadata (Portela, 2017). Enquadrada no âmbito das Humanidades Digitais, esta é uma criação que resulta de uma investigação exploratória baseada na experimentação artística, tendo como ponto de partida um texto, simultaneamente poético e científico, publicado enquanto guião de uma comunicação realizada pelo investigador Manuel Portela por ocasião da conferência Interventions: Private Voices and Public Spaces, em 2014. 

Neste texto duas vozes arriscam dialogar sobre a vasta e complexa rede cibernética. Contudo, não sabem por onde começar esse percurso labiríntico. É sem saberem que irão percorrê-lo ao longo de sete metadiálogos reflexivos. Assim, as vozes em diálogo podem ser consideradas sobre o primado do relacional, compreendidas como identidades na confluência das redes, constantemente a criar e a receber informações no meio de outras redes. São habitantes de um espaço no qual o uno, mais do que a soma fixa de todas as partes, é o conjunto de correntes e circuitos que, através de variados fluxos e intensidades, se encontram na sua passagem. Uma autêntica emaranhação. 
É na sétima sequência do texto que surge o mote para esta sonificação subordinada à art-science e, em particular, à computer music. É na sétima sequência que os ouvidos se propõem a pensar the sound of data:

(B) — So you are able to imagine the network after all. 

[15 sílabas 10 palavras] 

(A) — Yes, but it is a defective imagination. [13 sílabas 7 palavras] My ears can listen to huge data centers processing voltage differentials, and humming their noisy songs day and night, in chilled data halls, but I cannot picture the actual mining of data and metadata. [55 sílabas 34 palavras] It is as if there was an incommensurable gap between listening to the machines crunching the data and our actual condition as flesh and blood human beings. [44 sílabas 27 palavras]

(B) – What is that sound?

[4 sílabas 4 palavras]?

 

[At this moment, the speaker launches an audio file with the recorded sound of a data center. He simultaneously projects the image of one of those large data centers. The speaker remains silent for the duration of the recording (30 seconds).]

 

(A)— I call it the sound of data. [8 sílabas 7 palavras] Can you listen? [4 sílabas 3 palavras]

[At this moment, the speaker launches the audio file with the recorded sound of a data center for a second time. The speaker remœains silent for the duration of the recording (30 seconds).]

(B) — Yes, I can listen. [5 sílabas 4 palavras] It’s not difficult to describe. [8 sílabas 5 palavras] A fan-like metallic vibration combined with non-stop muffled blowing ringing in my ears. [23 sílabas 13 palavras]

 

(A) – A never-ending dance of algorithms. [10 sílabas 5 palavras] The noisy sound of data. [7 sílabas 5 palavras] 

 

(B)   What do you see in the sound of data? [10 sílabas 9 palavras]

(A)— I see the incommensurable gap that my imagination cannot comprehend. [22 sílabas 10 palavras] How have we moved from thoughts and desires to this technology? [15 sílabas 11 palavras] I feel overwhelmed by the deafening music of data and gigantic cooling systems which respond to the rise in temperature of electronic flows, whose heat must be constantly dissipated. [51 sílabas 29 palavras] 

 

Assim, após ter sido contabilizada a quantidade de sílabas existentes em cada frase, foram atribuídos instrumentos suficientemente diferentes, mas complementares, para ser possível distinguir as duas vozes discursivas do texto – a voz A (com o instrumento x) e a voz B (com o instrumento y). De seguida, cada instrumento foi orientado para a reprodução rítmica e melódica das sílabas de cada palavra.

Isto significa que uma palavra com uma sílaba corresponde a um tempo e a uma única nota, enquanto uma palavra com duas sílabas corresponde a dois tempos e a duas notas e, seguindo a mesma lógica, uma palavra com três sílabas é tocada em três tempos e em três notas. Assim, no caso das palavras com mais do que uma sílaba, aquilo que se ouve é uma sucessão de notas de um acorde ascendente, uma progressão própria de um harpejo, no qual cada nota (cada sílaba) faz parte de um acorde (de uma palavra) que é tocada independentemente, à sua vez. Já a nível rítmico, cada sílaba representa uma unidade mínima de tempo que, se tivermos como referência um compasso 4/4, equivale a uma semínima. Assim, todas as sílabas têm a mesma duração, mas nem todas sílabas são tocadas na mesma nota. 

Além de serem sonificadas as vozes em diálogo e a quantidade de sílabas por palavra, também a pontuação sugestiva de momentos de pausa (vírgulas e pontos finais e pontos de interrogação) foi transformada em som. Neste caso, as vírgulas são pandeiretas fugidias, os pontos finais são marcados com uma batida incisiva num prato de ataque e os pontos de interrogação são sinos de vento, cuja melodia ascendente sugere o imaginário aural da entoação interrogativa. A nível rítmico, a pontuação (equivalente a uma mínima) distingue-se das sílabas porque a sua duração representa o dobro do tempo de uma sílaba (equivalente a uma semínima). 

De modo a reforçar o tom contemplativo e questionador do texto sonificado, foram particularmente acentuadas as frases interrogativas, sendo que não só é marcada a sua respetiva pontuação como as últimas palavras da frase são sonificadas através de uma melodia ascendente.

Considerando a repetição de sound, listen (incluindo listening) e data (incluindo metadata), estas palavras foram destacadas na composição sonora. Elas distinguem-se das restantes porque são tocadas uma oitava acima. Deste modo, desviando-se da coerência melódica, sound (1 sílaba) será tocado em D#4, listen (2 sílabas) em D4 e D#4, data (2 sílabas) em F4 e G4, sendo que no caso de metadata (4 sílabas) temos C3, D3, F4 e G4. 

Este projeto acústico concentra-se na sequência sete, na qual o som ruidoso da Google Data Center serve de pretexto para pensar o som da informação — o som resultante da dança entre as nossas interações e relações sociais em rede. Esse mesmo som é o fundo da composição sonora do início até ao fim, sendo usado e manipulado sobretudo para propósitos estéticos. Atendendo às anotações cénicas do autor, é possível saber que este som terá ecoado duas vezes durante 30 segundos no decorrer da comunicação oral e, por isso, é também introduzido durante o mesmo tempo na cadeia textual, no momento em que há essa indicação entre parêntesis retos. Assim, a abertura e o fechamento dos parêntesis retos é marcada por um som de uma cassete a ser reproduzida ou parada num leitor de reprodução e mediação aural.  

 

Caracterizada pela sua interdisciplinaridade, a sonificação é uma área de investigação relativamente recente que remonta ao contexto de massificação, acessibilidade e desenvolvimento tecnológico da década de 1990. Pode ser entendida enquanto processo de conversão e representação da informação através de som (não verbal), tornando-se assim possível a decifração e a interpretação de dados por intermédio da perceção auditiva. Trata-se de um trabalho de recolha, seleção e análise, no qual se procede à identificação de padrões, tendências e relações entre as informações existentes, tendo como propósito a transposição e representação de um conjunto de dados para um ambiente sonoro, por exemplo, com recurso a ritmos, melodias, tons e volumes. Enquanto técnica, é aplicada a variados campos científicos e artísticos que se intersetam na art-science, intimamente associada às possibilidades técnicas da computer music

Isto significa que, nestas áreas, o processo de composição passa a estar implicado em procedimentos computacionais que pressupõem a definição de regras que se tornam comandos e automatizações – e, portanto, trata-se de um processo distinto das convencionais técnicas de composição musical. Uma sonificação subordinada à computer music implica abdicar, em parte, do controlo, da antecipação e da premeditação composicional, ou seja, a estrutura da obra é, em parte significativa, o resultado da automatização de processos previamente mapeados com os dados extraídos. 

Contudo, também há espaço para acolher apontamentos estéticos, porque afinal a sonificação, além de se dedicar à transposição meticulosa e sistemática de dados, também pode ser motivada por opções artísticas, tal como sugerem vários projetos de arte sonora, radio art e data art. Assim, no caso do projeto acústico em questão, a sonificação da informação textual impulsiona uma criação artística que explora não só the sound of data, mas também the music of data, marcada por noisy sound[s], electronic flows, metallic vibration[s] e machines crunching. Este é um convite à dança algorítmica, uma dança ciborguizada, na rede. 

 

finds her motivation in investigation projects centered around interdisciplinary and artistic experimentation. She is an FCT Ph.D. fellow in Materialities of Literature at the School of Arts and Humanities at the University of Coimbra, where she has sought to listen to literature and think with her ears. Her inter-artistic journey includes dance, music conservatory, radio, and book publishing.

is an electronic music artist with a background in Computer Engineering (FCTUC) and Music Arts (FCSH). He dedicates himself to exploring and thinking about sound in its different interpretations and aesthetics. Radio and underground culture are part of his daily life, through his work with RUC and Rádio Quântica, where he co-created the programs Fuinki and Instrumental Violence.

Issue #05
1. Um gesto onde se abriga a cinza: esboços para Rui Nunes
2. Do Donbass a Hiroshima: Paisagens Traumáticas, Paisagens de Monstros
3. Rebanho e multiplicação
4. Platitudes 3 (excerto)
5. Can u listen?
6. este cinema desdobrado em ossuário
7. NÍNIVE
8. Tapeçarias
9. “Não é permitida a saída de flores”
10. QUARANTIME LOVE
11. Incipit. Scree. Explicit.
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